domingo, 4 de dezembro de 2011

A norma e a bolsinha de rabinho


            Há algum tempo, andando com meu esposo por uma dessas galerias de lojas que há em Montes Claros, deparamos com uma situação engraçada, para não dizer fora do comum – pelo menos para mim: era uma criança conduzida pela mãe como se fosse um cachorrinho. Ainda que considere a capacidade inventiva dos elaboradores dos produtos que aparecem no mercado hoje em dia, sempre surge algum que me surpreende. E a criatividade da vez foi a bolsinha de rabinho. Explico: trata-se de uma mochila minúscula com aparência de um urso, de um cachorro ou mesmo de uma pequena bolsa, que possui uma corda que se assemelha a um rabo de animal. De fácil uso, o apetrecho pode ser colocado no dorso da criança enquanto alguém segura a cordinha. A criança fica presa à mochilinha como um cachorrinho a uma coleira. Quanto maior a liberdade que se quer dar, mais se solta a corda.
            No caso que vimos, a criança parecia se sentir livre e feliz! Ela podia andar vários metros na circunferência em que estavam os pais. Isso dependia da quantidade de “corda recebida”. A pequena rodava, brincava, sentava no chão, ia até o limite dado e, quando não podia seguir, ia para o outro lado. Embora achando curiosa a situação, pensamos até que seria útil para quando tivéssemos o nosso bebê.
            Tempos depois voltamos a falar do assunto quando discutíamos acerca dos limites impostos pela norma. A liberdade que o ser humano pensa ter é limitada e isso independe do lugar em que esteja. As normas restringem o alvedrio do homem e ao mesmo tempo o faz sentir-se livre e feliz! Os mais iludidos com o “poder fazer o que quiser” são os cidadãos dos Estados Democráticos de Direito. Acham que podem escolher seus representantes, que podem ir e vir, que têm liberdade de expressão e por aí vai. E dessa crença nasce o preconceito aos outros que não vivem em democracias, que estão submissos a regimes teocráticos ou fortemente ligados à religião.
É verdade que o diferente, muitas vezes, parece absurdo. Também é fato, que a norma quando apresentada com o rosto de proposta e não de imposta se torna natural rapidamente. Pensar o quanto sou livre e o quanto falta autonomia ao outro depende da maneira como a norma foi apresentada. A diferença ou a divergência que preexistira à criação da norma e que a deu origem deixa de ter sentido. Não há como viver em sociedade sem que haja algum desacordo que mereça e careça de uma regra para ajustar a desavença. [1]
Dessa forma, onde há convívio social há normas e, portanto, controle. E se há controle, há, obviamente, limite de liberdade. Eu só vou aonde o ente normalizador quer que eu vá. Assim como só faço o que está previsto. Se o fizer diferente a norma aparece para me mostrar o deslize e que sanções me serão impostas em caso de desobediência. A bolsinha de rabinho está para todos.


[1] Ver CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.